Psicologia e Estética

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Uma obra ambiciosa e ambígua: eis como o leitor pode qualifica o livro após fechá-lo. Essa ambiguidade se manifesta já na separação do trabalho, revelando-se mais intimamente no duplo significado de cada uma de suas duas partes: um primeiro “livro” sobre o “aspecto temporal da vida”, cujo enquadre fenomenológico não é suficiente para justificar os postulados metafísicos que são admitidos, um segundo “livro” sobre a estrutura dos transtornos mentais, sobretudo acerca de sua estrutura espaço-temporal, cujas análises, preciosas à clínica, devem a sua precisão ao modo como o observador foi coagido pelo objeto elaborado inicialmente em sua meditação espiritual.

Essas contradições íntimas representariam um fracasso se o alto nível da obra não testemunhasse que se trata de um fracasso inerente à sua ambição. Sejamos mais precisos, esse fracasso está ligado à fenomenologia dessa paixão, à sua estrutura revestida de enigmas. A respeito da fórmula que essas autênticas confidências são reveladas, nos perguntarmos: por quais meios a obra trai a personalidade do autor? Entre elas, detenhamo-nos nessa menção referente ao último livro de Mignard: “de uma síntese de sua vida científica e de sua vida espiritual – síntese tão rara atualmente, quando assumimos o hábito de erguer uma barreira intransponível entre a suposta objetividade da ciência e a necessidade espiritual de nossa alma”2.

Queremos usar essa passagem como ponto de apoio para nossa crítica, reivindicando-lhe o direito de restaurar a barreira, que, com certeza, não é intransponível, mas que constitui o signo de uma nova aliança entre o homem e a realidade. Portanto, examinaremos sucessivamente o triplo conteúdo da obra: objetivação científica, análise fenomenológica e testemunho pessoal. Caso exista relação entre esses três níveis, o próprio movimento de nossa análise deverá fornecer a síntese.

A contribuição científica diz respeito aos dados da patologia mental e sabemos quão ainda são imperfeitos. Dessa forma, no livro encontramos contribuições preciosas para o seu progresso, cuja importância se mostra ainda mais pungente em virtude do estado atual da produção psiquiátrica na França. O conjunto das comunicações realizadas nas doutas sociedades oficiais não oferece nada além daquilo que sua profissão impôs após incontáveis anos de informação tão desesperançosas, cujo retrato se apresenta na imagem da mais miserável das estagnações intelectuais.

É considerada como uma atividade científica válida simplesmente sobrepor um “caso” com um fato da observação psicopatológica, um sintoma geralmente somático e classificável na categoria dos signos ditos como orgânicos. Fica bastante claro o alcance exato desse tipo de trabalho quando se contrasta com os tipos de observações que o autor faz em seu livro. O leitor pode verificar o grau de inconsistência dessa atividade através da terminologia empregada. Ela faz parte da psicologia das faculdades que foi preparada nas cozinhas acadêmicas e que o atomismo associacionista não mergulhou nas abstrações escolásticas corriqueiras, disso resulta a verborragia sobre a imagem, a sensação, as alucinações, o juízo, a interpretação, a inteligência, etc. E, por último, a recém chegada afetividade, a cereja do bolo do momento de uma psiquiatria madura que encontrou nela o termo mais propício para uma série de escamoteamentos. Na prática médica corrente, os chamados sintomas orgânicos parecem dar um suporto bastante relativo ao conjunto do cortejo semiológico, ou seja, raramente patognomônicos3, eles são frequentemente empregados em diversos graus probabilísticos. Por outro lado, numa certa psiquiatria, eles adquirem um valor tabu que faz de sua simples descoberta uma conquista doutrinária. Cada descoberta semelhante é considerada como um passo na tarefa de “redução da psiquiatria aos quadros da medicina geral”. Na psiquiatria, o resultado dessa atividade ritualística é que o método – ou seja, esse aparelho mental sem o qual o próprio fato não pode ser conhecido em sua realidade – estaria ainda no ponto certamente louvável, mas superável, no qual foi conduzido por Falret4, Moreau de Tours5 ou Delasiauve6, se não fossem os trabalhos de raros pesquisadores como Pierre Janet, cujas perspectivas se encontram bastante afastadas da filosofia implícita que foi responsável pela paralisa na psicologia dos médicos para conseguirem superá-la e se libertarem de seus termos. A formação filosófica na qual o Sr. Minkowski toma o cuidado de situar o papel, o período e os frutos anteriores em sua própria biografia o ajudou muito para perceber, assim, o caráter real dos fatos que lhe ofereceria, em seguida, uma experiência clínica cotidiana.

A novidade metódica presente na visão do Sr. Minkowski está em sua referência pelo ponto de vista da estrutura, ponto de vista bastante estranho às concepções da psiquiatria francesa e no qual muitas pessoas acreditam ainda que se trate de um equivalente da psicologia das faculdades7. Os fatos da estrutura se relevam ao observador na coerência formal que a consciência mórbida mostra em seus diferentes tipos e que une cada um deles de maneira original nas formas com as quais se introduzem na identificação do eu, da pessoa, do objeto, na intencionalidade dos choques da realidade, nas asserções lógicas, casuais, espaciais e temporais. Não se trata de registrar as declarações do sujeito, pois sabemos há muito tempo (esse é talvez um posto admitido pela psicologia psiquiátrica agora) que só podem, pela própria natureza da linguagem, serem inadequadas à experiência vivida na qual o sujeito busca exprimir. Em vez disso, é apesar dessa linguagem que se trata de “penetrar” na realidade dessa experiência, captando no comportamento do doente o momento em que se impõe a intuição decisiva da certeza ou então a ambivalência suspensiva da ação e, reencontrando, por nosso assentimento, a forma sob a qual se afirma esse momento8.

É fácil conceber quão importante pode ser o modo vivido da perspectiva temporal nessa determinação formal.

Um belo exemplo do valor analítico desse método é fornecido pelo Sr. Minkowski em um estudo notável de “um caso de ciúmes patológico em um contexto de automatismo mental”, reproduzido dos anais médico-psicológicos de 19299. Não há demonstração mais engenhosa e convincente do papel do molde formal que desempenha o “distúrbio gerador” (nesse caso, em primeiro lugar o sintoma chamado de transitivismo) para os conteúdos mórbidos passionais (sentimentos de amor e sobretudo de ciúmes) e para sua manifesta dissociação da realidade tanto interior quanto objetal.

Essa observação brilhante serviria para nos convencer de que não podemos entender a verdadeira significação de uma paixão mórbida, insuficientemente indicada por uma rubrica derivada da experiência comum (ciúmes), sem penetrar em sua organização estrutural.

É lamentável que o Sr. Minkowski tenha sido tão cuidadoso de excluir da explicação desse caso, por considerá-la artificiosa, toda compreensão genética da história afetiva do sujeito. O mais favorável de seus leitores não poderia deixar de ficar impressionado com a conformidade significativa entre as recordações traumáticas da infância (traumatismo libidinal eletivo no estádio anal e fixação afetiva na irmã), o trauma reativado na adolescência (o homem que ela ama se casa com uma amiga dela) e os modos de identificação afetiva em forma de falsos reconhecimentos e de trasitivismo, que fazem com que a paciente se sinta despersonalizada pelas mulheres de quem sente ciúmes e acredite na existência de relações homossexuais entre seu marido e seus amantes. É mais impressionante ainda ver o surgimento das recordações infantis na consciência coincidirem com uma relativa sedação dos distúrbios.

Em razão de sua posição abertamente hostil à psicanálise, o Sr. Minkowski se inclina para estabelecer na investigação psiquiátrica contemporânea um novo dualismo teórico que renovaria a obsoleta oposição entre organicismo e psicogênese. Esse novo dualismo oporia agora, de um lado, a gênese chamada de ideo-afetiva, aquela dos complexos definidos pela psicanálise, e de outro lado, a subducção estrutural, que ele considera tão autônoma ao ponto de falar em fenômenos de compensação fenomenológico.

Uma oposição tão exclusiva só pode ser estéril.

Em um trabalho recente, nós mesmo buscamos demonstrar no complexo típico do conflito objetal (posição “triangular” do objeto entre o tu e o eu) a razão comum que existe em termos de forma e de conteúdo no que chamamos de conhecimento paranoico10.

Nós também não acreditamos que seja essencialmente o destino do ser humano “manipular os sólidos” que determinam a estrutura substancialista de sua inteligência. Essa estrutura parece estar, ao invés disso, ligada a dialética afetiva que conduz o ser humano de uma assimilação egocêntrica do meio ao sacrifício do eu na pessoa do outro. Portanto, o valor determinante da relações afetivas na estrutura mental do objeto vão muito longe. Nos parece que o esclarecimento dessas relações são centrais para uma justa apreciação das caraterísticas do tempo vivido nos tipos estruturais mórbidos. Uma consideração isolada dessas características não permitem nem notar todas e tampouco diferenciá-las. Disso resulta a função um tanto discrepantes das diversas perturbações da intuição do tempo nas entidade nosográficas que são estudadas nessa obra: em certo lugar, ela aparece na consciência e é descrita como sintoma subjetivo pelo doente em sofrimento, noutro lugar, ela é deduzida como estrutural do distúrbio que a exprime muito indiretamente (melancolias).

A única coisa que parece bastante fundamental e, sem dúvida, reservada para ser acrescentada à clínica das descrições essenciais, é o tipo de subducção do tempo vivido nos estados depressivos: a partir de agora podemos considerar esses estados para o enriquecimento de um certo número de tipos estruturais11.

Por outro lado, precisamos agradecer ao Sr. Minkowski por ter demonstrado a fecundidade analítica da entidade, antes de tudo, estrutural designada por Clérambault com o título de automatismo mental. Realmente, os belos trabalhos desse mestre ultrapassam em muito o alcance da demonstração “organicista” na qual ele próprio pretendeu reduzi-los e alguns de seus alunos se resignaram.

Nesse trabalho da ciência, que é um esforço compartilhado, o Sr. Minkowski presta homenagens àqueles cujo ponto de vista lhe aportou uma contribuição na exploração do tempo vivido nas psicopatologias. Ele nos oferece exposições excelentes sobre os trabalhos da Sra. Minkowka, do Sr. Frantz Fischer, dos Srs. Straus e Gebsattel, do Sr. Greef e do Sr. Courbon. Talvez o conjunto da obra perca em valor demonstrativo na mesma proporção em que ganhe em riqueza e a noção de distúrbios do tempo vivido se afirme tanto mais quanto possua, nas estruturas mentais mórbidas, uma característica de acessório para não ser utilizada apenas como secundária em uma classificação natural dessas estruturas (veja o curto capítulo intitulado como “Quelques suggestions au sujet de l’excitation maniaque” e o compare com o grande estudo de Binswanger sobre o Iddenflucht, publicado nos Archives Suisses).

Em seu contato clínico com o doente, a atenção do psiquiatra se encontra, agora, convocado para aprofundar a natureza e as variedades desses distúrbios da intuição temporal.

Ao ser integrado na análise total das estruturas, o futuro mostrará seu lugar verdadeiro na gama de formas de subducção mental cujo estudo deve ser um fundamento da antropologia moderna.

Essa antropologia não poderá culminar em uma ciência positivista da personalidade. As fases evolutivas típicas da personalidade, sua estrutura noética e sua intencionalidade moral devem ser dadas, como nós mesmo afirmamos em outro momento, por uma fenomenologia. Dessa forma, o Sr. Minkowski parece bem fundamentado ao ter buscado em uma análise fenomenológica do tempo vivido as categorias de sua investigação estrutural.

Nascido na Alemanha, o termo fenomenologia cobre, ao menos no sentido técnico adquirido na história da filosofia recente e desde que se libertou das condições rigorosas da Aufhebung husserliana, um conjunto de especulações “compreensivas”.

Dessa forma, desde que o termo Aufhebung foi admitido na França como moeda corrente, assim como ocorre com todos os termos do vocábulo filosófico quando estão vivos, seu uso foi marcado por uma extrema incerteza. A obra do Sr. Minkowski pretende fixar o seu uso, porém, no modo prático do intuicionismo bergsoniano. Com isso, entendemos que se trate menos de um conformismo doutrinal do que uma atitude, diríamos quase um clichê irracionalista, cujas fórmulas nos parecem um pouco obsoletas e muito escolásticas as antinomias do raciocínio nas quais elas devem ser constantemente alimentas (ver o capítulo da succession, etc.).

Nesse aparelho se exprime uma apreensão muito pessoal da duração vivida. Ele resulta em uma dialética extraordinariamente tênue na qual sua exigência crucial parece se ancorar, em toda antítese da experiência vivida, na discordância e na dissimetria discursiva. Essa dialética nos conduz, assim, pela intangível síntese do elã vital, primeira direção isolada no futuro, ao elã pessoal, relacionado com o trabalho, e à ação ética, termo derradeiro, mas cuja essência permanece totalmente inerente à própria estrutura do futuro.

Esse elã puramente formal e, no entanto, criador de toda realidade vital é para o Sr. Minkowski o modo do futuro vivido. Essa intuição domina toda a estrutura da perspectiva temporal. Nesse sentido, todo o esforço perseguido ao longo do livro será orientado para restaurar a virtualidade espacial que a experiência nos revela. Essa restauração depende da intrusão fecunda no devir de casais ontológicos, tais como “ser um ou vários”, “ser uma parte elementar de um todo”, “ter uma direção”, para que se engendre esses princípios aos quais seu irracionalismo, devidamente controlado em seu nascimento, sirva de estado civil: princípio de continuidade e de sucessão, princípio de homogeneização, princípio de fracionamento e de sequência.

Na realidade, apesar de essencial nessa dedução irracionalista, a fissura aparece na junção do elãvital com o elã pessoal, pois, nos parece, exigir a combinação de um dado intencional concreto. Mesmo que não seja disfarçada, a tentativa de fazer com que surja de uma pura intuição existencial tanto do supereu quanto do inconsciente da psicanálise, “níveis” incontestavelmente ligados ao relativismo social da personalidade, nos parece um desafio. Ela parece como um tipo de autismo filosófico cuja expressão deve ser compreendida aqui como um dado fenomenologicamente analisável, assim como podem ser os grandes sistemas da filosofia clássica. A exclusão de todo saber para fora da realidade vivida da duração, a gênese formal da primeira certeza empírica da ideia da morte, da primeira lembrança de remorso e da primeira negação na lembrança, representam intuições prestigiosas e exprimem melhor os momentos mais altos de uma espiritualidade intensa do que os dados imanentes ao tempo em que “se” vive.

Façamos referência a um tópico familiar da filosofia do Sr. Heidegger e aos dados já difundidos de seu pensamento que, apesar do filtro de uma língua obtusa e da censura internacional, certamente, nos trouxeram exigências que são pouco consideradas aqui. Em uma nota na página 16, o Sr. Minkowski confessa que ignorou o pensamento desse autor quando o seu próprio já havia tomado sua forma decisiva12. Em razão do excepcional privilégio oferecido por sua dupla cultura, pois, como o autor insiste, seus primeiros trabalhos foram escritos em alemão, só podemos lamentar de não poder lhe dever por ter introduzido no pensamento francês o enorme trabalho de elaboração realizado pelo pensamento alemão nesses últimos anos.

Da mesma forma que um desconhecimento menos sistemático de Freud não imporia qualquer censura no grupo de intuições do Sr. Minkowski ao conceito de resistência, os aspectos primários do ensinamento heideggeriano faria com que admitisse o tédio, ou, pelo menos, não rejeitá-lo, do conjunto dos fenômenos negativos13. As considerações muito sedutoras sobre o esquecimento, considerado como uma caraterística fundamental do fenômeno do passado, nos parece igualmente se opor muito firmemente aos dados clínicos melhores estabelecidos pela psicanálise. A noção de promessa, eixo principal da personalidade que deve se apresentar como sua garantia, nos parece, enfim, pouco esclarecedora e muito absoluta para apenas autenticar o elã pessoal pela imprevisibilidade e pelo desconhecimento irredutível de seu objeto.

No entanto, certos preconceitos nos fornecem análises parciais que por vezes se tornam admiráveis. A concepção original da espera como antítese da atividade, ao invés da passividade, “como nossa razão gostaria”, é engenhosa e subordinada ao sistema. A estrutura fenomenológica do desejo se encontra bem colocada no nível médio das relações com o futuro. Finalmente, uma obra-prima da penetração nos é oferecida na análise da prece e serve como chave de um livro espiritual, cuja efusão jorra por completo no diálogo que não seria expresso fora do segredo da alma. Que nenhum questionário dogmático busque sondar os postulados, pois os questionamentos acerca da natureza do interlocutor serão respondidos como aqueles acerca da vida, como aqueles acerca do sentido da morte: “há problemas que exigem ser vivido como tais, sem que sua solução consista em uma fórmula precisa”14 e “eu quase diria: se realmente não existe nada depois da morte, isso permanece verdadeiro apenas enquanto guardamos essa verdade em nós, quando guaramos zelosamente no fundo de nosso ser”.

Nos estamos no pleno terreno da confidência, porém, essas confidências são revelações conficionais. Num tempo em que o espírito humano se satisfaz em afirmar determinações que projeta sem cessar sobre o futuro, não na forma da previsão condenada aqui, mas na forma animadora do programa e do plano, esse retraimento “ciumento” diferencia uma atitude vital. No entanto, essa forma não seria radicalmente individual e o confidencial, no capítulo seguinte, se revela como confidencional: o traço radicalmente evanescente da ação ética sob a trama do devir, a assimilação do mal à obra nos remete aos mistérios da meditação de um Lutero e de um Kant. Quem sabe mais longe ainda o autor no levará? A alma derradeira desse longo hino ao amor, cujo o olhar iluminado “sonda” sem cessar, desse longo chamado para “caminhar em frente” repetido em cada página, desse querido enigma: “se soubéssemos o que significa se elevar acima!”15 nos é fornecido pelo elã que anima todo o livro, se conseguíssemos, enfim, conhecê-lo com um único golpe de vista.

Não é um dos menores paradoxos desse longo esforço para desparcializar o tempo, sempre distorcido pela métrica, que só possa ser perseguido através de longas metáforas espaciais: desenvolvimento, caraterística supraindividual, dimensão profunda16, expansão17, vazio18, mais longe19, raio de ação20 e, sobretudo, horizonte da prece21. Esse paradoxo desconcerta e irrita até o último capítulo, cuja chave na forma de intuição, embora apenas indicada, nos parece ser o aspecto mais original do livro. Essa chave é fornecida através de outra concepção de espaço diferente daquela do espaço geométrico, oposta ao espaço claro e do modelo da objetividade, essa concepção equivale ao espaço negro da tentativa e do erro, da alucinação e da música. Nos aproximemos de gritos estridentes como esse: “uma prisão confundida com o universo me é intolerável”22. Podemos dizer sem exagero que estamos sendo conduzidos pelas “noite dos sentidos” e pela “noite obscura” mística.

Depois do exame da obra, inicialmente enigmática ao leitor, revela-se que sua ambição se encontra ligada aquela da acesse e sua ambiguidade se vincula aquela do objeto sem nome do conhecimento unitário.

Jacques M. Lacan


1Resenha de Jacques Lacan do livro “Le temps vécu” escrito por Eugène Minkowski. A resenha foi publicada na revista Recherches philosophiques em 1935. A revistafoi criada por Alexandre Koyré, Henri-Charles Puech e Albert Spaier, em 1931, e tinha como objetivo promover a difusão do pensamento alemão em solo francês. Essa diretriz editorial se evidencia nas referências de Lacan aos trabalhos de Edmund Husserl e Martin Heidegger. (N. T.)

2MINKOWSKI, E. Le temps vécu. Paris: PUF, 1933, p. 143.

3Na medicina, patognomônico refere-se aos sinais ou sintomas que servem de evidência definitiva para indicar a presença de uma única doença possível. (N. T.)

4Jean-Pierre Falret (1794-1870) foi um psiquiatra francês considerado como um dos fundadores da psiquiatria clínica. (N. T.)

5Jacques-Joseph Moreau (1804-1884) foi um psiquiatra francês responsável por realizar trabalhos sobre os efeitos das drogas psicoativas no sistema nervoso central e cunhou o termo dissociação (désagrégation). (N. T.)

6Louis Delasiauve (1804-1893) foi um psiquiatra francês que realizou estudos acerca da epilepsia. (N. T.)

7É digno de nota o emprego realizado por Lacan do termo estrutura, não apenas por diferenciá-lo das pesquisas em psicologia, como também por colocar em destaque o aspecto espaço-temporal presente nas pesquisas de Minkowski. (N. T.)

8É interessante notar como os termos “intuição decisiva da certeza” e “ambivalência suspensiva da ação” parecem antecipar os termos “asserção subjetivo” e “moção suspensa” que estão presentes no artigo “o tempo lógico”, publicado dez anos depois da resenha ao livro de Minkowski. (N. T).

9Minkowski apresenta o caso mencionado no livro II, capítulo 2. Ver: Exemple: analyse d’un cas de jalousie pathologique sur un fond d’automatime mental. Em: MINKOWSKI, E. Le temps vécu. Paris: PUF, 1933, pp. 238-54. (N. T)

10Expressão empregada por Lacan em sua tese de 1932. Ver em: Da psicose paranoica em suas relações com a personalidade. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.

11MINKOWSKI, E. Le temps vécu. Paris: PUF, 1933, pp. 169-182, 286-304.

12Na nota correspondente, Minkowski afirma: “No curso dos últimos anos apareceu a importante obra do Sr. Heidegger intitulada como ‘Ser e Tempo’. Essa obra filosófica, consagrada ao estudo do fenômeno do tempo e de seu devido lugar na vida, exerceu uma enorme influência sobre os trabalhos psicológicos e psicopatológicos de língua alemã. Minhas próprias pesquisas já estavam bastante avançadas quando conheci o livro do Sr. Heidegger de modo que não pude me aprofundar em suas ideias para colocá-las em destaque aqui e discutir os pontos em comum ou divergentes que poderiam existir entre nós”. MINKOWSKI, E. Le temps vécu. Paris: PUF, 1933, p. 16. (N. T)

13A noção de tédio é desenvolvida extensamente por Heidegger na primeira e na segunda parte do livro Os conceitos fundamentais da metafísica – mundo, finitude e solidão. Ver em: HEIDEGGER, M. Os conceitos fundamentais da metafísica. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.

14MINKOWSKI, E. Le temps vécu. Paris: PUF, 1933, p. 103.

15MINKOWSKI, E. Le temps vécu. Paris: PUF, 1933, p. 87.

16MINKOWSKI, E. Le temps vécu. Paris: PUF, 1933, p. 12.

17MINKOWSKI, E. Le temps vécu. Paris: PUF, 1933, p. 76.

18MINKOWSKI, E. Le temps vécu. Paris: PUF, 1933, p. 78.

19MINKOWSKI, E. Le temps vécu. Paris: PUF, 1933, p. 88.

20MINKOWSKI, E. Le temps vécu. Paris: PUF, 1933, p. 88.

21MINKOWSKI, E. Le temps vécu. Paris: PUF, 1933, p. 95 e seg.

22MINKOWSKI, E. Le temps vécu. Paris: PUF, 1933, p. 56.

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