5 pontos necessários na direção da cura psicanalítica – por Alain Badiou

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Cinco pontos recapitulam o movimento em que se determina o que deve ser uma cura analítica, uma clínica na qual toda filosofia está colocada em permanente descrédito.

Um. A demonstração do real é da ordem do processo, sendo o processo da cura analítica na medida em que exista. Houve cura analítica desde que o real tenha sido de-monstrado. Esse processo é normativo e podemos chamar tal norma de condução da cura. Eu sustentaria outra, algo que não é uma formulação lacaniana, que o processo só opera do lado do analista na condição de que haja desejo de matema. A associação livre ou a escuta flutuante, por exemplo, só são inteligíveis na condição de que haja desejo de matema. Por quê? Porque, apesar de parecer contraditório, elas não são outra coisa do que regras destinadas a construir o espaço de restrição.

Dois. A de-monstração do real, como processo, é da ordem de uma restrição formal cujo nome se chama “simbolização correta”. O que é suficiente, aliás, para nos fazer compreender que ela nunca é uma hermenêutica do sentido. Nesse aspecto, na psicanálise – e Lacan esclarece esse ponto – a palavra “interpretação” é equívoca. Podemos mantê-la, mas é necessário também reconstruí-la. Se por “interpretação” compreendemos algo que retorna a uma hermenêutica do sentido, a palavra é inadequada, pois o que se trata é de uma formalização apropriada e restritiva, nunca a descoberta de um sentido oculto.

Três. O primeiro tempo – não é cronológico, são sedimentações – exige que seja localizada a impotência, admitindo que na base da demanda de análise sempre se encontra a tentativa de evitar uma impotência, em última instância, impotência do amor, cuja impotência sexual é apenas uma variante. Mas poderíamos também dizer a impotência de viver, a impotência de existir. A demanda está aqui, mas é necessário localizar a impotência de tal maneira que o protocolo da formalização possa ser aplicado ou incorporado, o que não quer dizer que ela seja bastante evidente no começo do tratamento. Começamos aqui: encadeando algo que interrompa a errância da impotência. Podemos, aliás, – sou eu que digo – chamar de sofrimento a errância da impotência. Não tanto a impotência em si, pois, se fosse ela em si mesma, poderíamos lidar com ela, como aliás sempre fazemos. Sempre somos impotentes de alguma forma. É a errância da impotência que se mostra devastadora. Portanto, o primeiro tempo da condução da cura é pelo menos interromper a errância da impotência, o que quer dizer: que ela seja localizada. Só quando a impotência está localizada, tomada no quadro fantasmático que lhe atribui a função imaginária do falo, que pode ser acrescentada sobre ela sua elevação formal. No primeiro tempo, certamente, vocês irão deter a errância da impotência, mas se vocês pararem aí ela irá novamente entrar em errância! É necessário estabelecer em seguida a impossibilidade lógica.

Quatro. O segundo tempo é, portanto, elevar a impotência à impossibilidade lógica. Essa elevação da impotência localizada, impotência cuja errância está provisoriamente interrompida pelo protocolo de cura, é um tempo absolutamente crucial e também o mais arriscado, porque introduz a iminência de uma conjunção com o real. A elevação da impotência não introduz a conjunção com o real, que depende o ato analítico, mas a iminência de uma conjunção com o real, na qual só pode ser feita, realmente, na de-monstração do sem-saída lógico, portanto, da impossibilidade lógica. Podemos também dizer que é o momento em que mudamos de terreno ou de operação: o que era localizar, situar, interromper, torna-se realmente formalização. Na realidade, nos separamos absolutamente aqui dos equívocos da interpretação. Eis toda arte do analista: manter ou garantir o processo de elevação da impotência à impossibilidade por meio de peripécias sempre singulares, uma vez realizada a operação de localização. O primeiro tempo da localização da impotência é, em geral, monótono em seus efeitos de repetição. Nele ouvimos sempre as mesmas histórias tristes a respeito de diferentes registros da impotência e do abandono. No segundo tempo, ao contrário, o modo próprio no qual a impotência, fixada de maneira significativa, se encontrará elevada à condição de impossibilidade lógica, revela-se digno de uma arte verdadeiramente singular. É uma formalização ad hoc[2]. Não existe formalização padrão. A localização é muito mais padronizada do que a formalização. No fundo, saber do que se trata (o “diagnóstico”) não é difícil, mas elevá-lo à impossibilidade lógica é realmente uma operação que envolve uma grande complexidade.

Cinco. Supondo que temos uma simbolização correta e adequada, na qual uma elevação à impossibilidade represente um sem-saída lógico, então, teremos uma borda de corte, que no próprio ponto de impossibilidade – mas só há impossibilidade caso haja impasse da formalização – faz advir o real na dimensão enunciativa do ato analítico.


[1] Tradução para fins acadêmicos. Traduzido de Badiou, A. Lacan: l’antiphilosophie 3. Paris: Fayard, 2013. Lição de 5 de abril de 1995, pp. 200-203.

[2] A palavra latina ad hoc significa: “para isto”, “para esta finalidade”. A formalização possui o fim específico de circunscrever o impasse ou o sem-saída na história particular de um indivíduo.

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