Embora destaque no subtítulo de seu livro o nome de Freud, o matemático René Guitart não faz outra coisa senão tentar situar o uso das matemáticas por Lacan. Seu trabalho parte da seguinte pergunta: “os matemáticos devem ler Lacan?”. Ele propõe que não, caso acreditem que poderiam encontrar na obra do psicanalista francês algum avanço ou demonstração notável em suas referências à teoria dos jogos, à probabilidade, aos grafos, à topologia, aos nós, etc. A primeira pergunta desdobra-se em outra: “é necessário matemática para o objeto da psicanálise?”. Novamente sua resposta é negativa, caso os psicanalistas sejam levados pela ânsia de compreender os objetos matemáticos usados por Lacan simplesmente para aplicá-los em sua prática.
Ora, por que produzir um livro sobre psicanálise e matemática? Guitart acredita que o ponto de convergência entre ambas disciplinas se encontra na prática de escrever com rigor. O ofício do matemático e do psicanalista é sustentado no exercício de escrita e leitura. Contudo, ler exige que o ordenamento formado pelas letras seja identificado e escrever depende que outra organização seja estabelecida. Os impasses e contradições encontrados, em suas respectivas práticas, pelo matemático e pelo psicanalista são solucionados quando se consegue escrever bem.
O ofício do psicanalista não trata de buscar relações de causa e efeito ou reconstruir o passado da história de qualquer indivíduo, mas de realizar leitura e produzir escrita. Sugiro da minha parte: ler significa estabelecer qual é o tipo de racionalidade que se apresenta em cada caso particular, cujo nome dado para designá-la é inconsciente, e escrever consiste em alterar o jogo interno das organizações que são responsáveis por conduzir uma vida.
Hudson Andrade, Porto Alegre, 29 de março de 2022.