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O livro Lacan avec et sans Lévi-Strauss escrito por Juan Pablo Lucchelli começa de maneira categórica ao declarar que a influência de Lévi-Strauss sobre Lacan não precisa mais ser demonstrada. Na década de setenta, o psicanalista francês falava sobre sua dívida com o antropólogo, embora tivesse outra noção de estrutura[1]. Faz duas décadas que também podemos contar com as pesquisas de Zafiropoulos, cuja tese apresentada de maneira convincente propõe que o retorno a Freud só ocorreu após o contato de Lacan com Lévi-Strauss.
O mérito da investigação de Lucchelli consiste em conseguir ampliar e aprofundar o trabalho que foi iniciado com Zafiropoulos. Ele sugere que podemos encontrar na conferência O mito individual do neurótico, realizada em 1953, o começo do processo de metabolização das noções de Lévi-Strauss por Lacan. Nela, duas noções chaves são articuladas.
Em primeiro lugar, o psicanalista aprende com o antropólogo que a neurose é um mito que perdeu sua dimensão coletiva. Essa lição permite que Lacan interprete o quadro sintomático no caso Homem dos Ratos como sucessivas atualizações dos impasses que herdou de sua trama familiar. A neurose não é uma patologia psíquica e individual, mas o capítulo da história transindividual que se encontra apagado ao indivíduo.
Em segundo lugar, Lévi-Strauss ensina para Lacan que os mitos são estruturados como uma quadratura musical, cujos elementos vão se repetindo e se relacionando uns com os outros por meio de inversões lógicas. Eis o argumento central de Lucchelli. Ele propõe que o famoso axioma lacaniano segundo o qual o inconsciente está estruturado como uma linguagem, encontra seu vigor e rigor no modo como os mitos são estruturados de acordo com Lévi-Strauss, mais exatamente, segundo o que chamou de fórmula canônica dos mitos.

Acredito que mereceria ser revisto o modo como Lucchelli buscou “encaixar” o caso Homem dos Ratos à fórmula canônica dos mitos (imagem acima). Não obstante, sua pesquisa se insere como uma importante contribuição ao estruturalismo em geral e à psicanálise lacaniana em particular.
[1] Em entrevista concedida na década de setenta nos Estados Unidos, quando perguntado sobre o que deve ao trabalho de Lévi-Strauss, Lacan responde: “eu lhe devo muito, senão tudo. Isso não impede que eu tenha da estrutura uma noção totalmente outra do que a sua”. Em: Lacan, J. Conferência no Instituto Tecnológico de Massachusetts. Em: Lacan in North Armorica. Porto Alegre: Fi, 2016, p. 85.